Há que mudar de vida!

Publicada por José Manuel Dias


Saber que o número de resgates de PPR disparou no primeiro trimestre pode parecer apenas mais um reflexo da crise económica e financeira. Nada disso. Este é um indicador avançado da desgraça. Só não vê quem não quer. [...]
Resgatar PPR é vender activos de longo prazo, pedir de volta o dinheiro que se foi amealhando e pagar caro por isso, não só pelas elevadas comissões de resgate, mas sobretudo porque (tirando algumas excepções) é preciso devolver ao Estado o benefício fiscal antes recebido. Pagar mais no IRS. [...]
Os PPR são activos de longo prazo. Antes de os liquidarem, estas famílias já se endividaram até ao limite, já anteciparam o recebimento dos subsídios de férias (há quem em Março já tenha recebido o subsídio de Natal), já renegociaram o que puderam, baixando “spreads”, consolidando dívidas, estenderam créditos até à terceira idade (em Portugal os bancos já aceitam extensão até aos 80 anos; em Espanha já se fazem contratos que transitam “post mortem” para os filhos). Nada seria melhor para as carteiras dos portugueses que uma descida das taxas de juro, o que a subida da inflação europeia faz descrer.
Já só falta fazer uma de duas coisas – ou ambas: mudar de vida ou vender o que resta. O estudo da semana passada sobre rendimentos das famílias mostra como ganhámos hábitos de vida que não podemos pagar e fazêmo-lo sacrificando bens essenciais: poupamos na comida para gastar em viagens. Esses dados eram de 2006 e é provável que já haja menos gente de sapatos brancos em Janeiro (o que, diz o adágio, é “sinal de pouco dinheiro”). A quem já mudou de hábitos (o que custa muito mais do que parece), restam vender os últimos activos, a casa, o carro.
Não é fatalismo, é a materialização do endividamento de toda a economia. Como diz António Borges, “o facto de estarmos a ir buscar ao estrangeiro, todos os anos, oito ou 10% do PIB em endividamento adicional não parece preocupar ninguém”. Pois preocupem-se: os problemas de liquidez e de solvabilidade não são exclusivo da alta finança. Os portugueses percebem cada vez melhor do que trata a crise financeira: trata deles mesmos.
Pedro Guerreiro, no Jornal de Negócios, com leitura integral aqui.

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