Contos de Colarinho Branco (*)

Publicada por José Manuel Dias


«Oh, chefe, pá, o chefe tem que me fazer aquele favor que lhe pedi; ando a caminhar para aqui há mais de 5 anos para me aprovar aquela zona turística» exclama o imobiliário, desesperado para o funcionário público.
« Oh patrão, já lhe disse não sei quantas vezes que os Verdes dão cabo de nós se mandarmos cortar aquela reserva natural toda».
« Chefe, lembre-se daquele número com cinco zeros de que falámos; você com isso não terá que trabalhar nos próximos 20 anos!». O funcionário público esconde do imobiliário que vai sair uma lei dentro de pouco tempo que vai finalmente permitir cortar a madeira e construir sem reservas na tal reserva natural.
« Oh, patrão, não insista pá; eu sou um gajo honesto», exclama o funcionário público fazendo-se de totó.
Andam naquilo durantes semanas, com o sacana do funcionário a saber que a licença terá aprovação legal, até que o antes tubarão e agora pato do imobiliário lhe diz: « Oh, amigo, eu com aquele terreno licenciado para fazer um empreendimento turístico ganho milhões. Vou deixar-lhe aqui um cheque, de um Banco suiço, com seis zeros.
Você tem 48 horas para o depositar, de preferência numa conta na Suiça, ou não».O funcionário olhou para o cheque e pensou : « Que grande golpe dei neste patego - pagar-me para arranjar uma coisa que eu sei que já está arranjada.» Dentro do prazo estipulado, depositou o cheque e riu-se.Batem à porta ( do funcionário, claro está). Era o imobiliário, ou melhor, um agente infiltrado: « Amigo, acompanhe-me à esquadra, está detido!»
(*) Nome do livro, de onde foi extraído este pequeno conto, autor Paulo Morgado, Publicações D. Quixote, 2005
Anote-se o cuidado do autor em deixar registado junto ao Índice " Qualquer semelhança entre as histórias e personagens do livro e da vida real é pura coincidência e totalmente alheia à vontade do autor."
Do prefácio do livro da responsabilidade de Maria José Morgado, permitimo-nos transcrever " É sabido que a denúncia é uma das principais formas de prevenção do crime económico organizado. E que a prevenção é uma das principais formas de prevenir o fenómeno. Mas não é possível prevenir sem conhecer. E é neste campo - o do conhecimento/denúncia - que o autor nos dá um preciso contributo".
Recentemente foi publicado um relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção ( GRECO), do Conselho da Europa que, no que concerne a Portugal, alerta para inexistência de uma estratégia de combate à corrupção : " Faltam os necessários meios materiais, financeiros e humanos e, por vezes, de treino, por forma a levar a cabo investigações aos bens e finanças».
De acordo com a Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) o número de processos de corrupção que saiu deste departamento com proposta de acusação aumentou significativamente em 2005, relativamente aos anos anteriores. De acordo com o DN de 8 de Fevereiro p.p.".
Boa parte das investigações sobre corrupção em Portugal atingem as autarquias locais. Em quatro anos, entre 2002 e 2005, quase metade das investigações (42%) da Polícia Judiciária sobre corrupção estão relacionadas precisamente com autarquias locais".
Esta realidade reforça a importância das palavras de Fernando Madrinha, em artigo sobre este tema na última edição do "Expresso «...pode ser que o Governo se disponha a atacar este segundo "monstro" que, tanto como o défice, corrói e desacredita o Estado». Portugal e os portugueses agradecem.

2 comentários:

  1. veritas disse...

    É este o país que temos...mas o mais grave é que a justiça só funciona para alguns...

  2. José Manuel Dias disse...

    Olá Veritas!

    Grato pelo comentário. O bom funcionamento da Justiça é essencial para uma democracia efectiva. Todos reconhecem que temos muito que andar. A quem se pode imputar a responsabilidade pela actual situação? Será culpa nossa? Será culpa dela? Será culpa dos seus agentes?
    Se se interessa por esta temática permito-me sugerir uma visita ao Blog http://corporacoes.blogspot.com/
    Estou em crer que vai gostar.