A vida custa a todos...

Publicada por José Manuel Dias


Quem assistiu ontem ao Programa "Prós e Contras", da RTP1, teve uma excelente oportunidade para tomar conhecimento dos "reais" problemas das Universidades e dos desafios que se colocam ao Ensino Superior. As dificuldades vivenciadas por Portugal obrigaram o Governo a reduzir em 6,2% o valor das transferências para as Universidades, a exemplo, de resto, do que está a acontecer nos mais variados sectores. Esta quebra de transferências põe em risco, no entender de alguns senhores Reitores, o salário dos respectivos professores.
Sucede, entretanto, que as Universidades públicas têm mais de 1.000 (!!!) licenciaturas, algumas das quais com menos de duas dezenas de candidatos ao 1º ano, e parte delas, com reduzido grau de empregabilidade por desajustamento dos curricula às efectivas necessidades do tecido empresarial. Cursos e licenciaturas decididos pelas respectivas Universidades ou, melhor dizendo, por alguns dos seus professores.
O Governo solicitou, assim, uma avaliação externa a uma entidade internacional de modo a aferir da qualidade do ensino superior ministrado em Portugal e deu um prazo às Universidades para implementarem o Acordo de Bolonha, na linha, de resto, do observado na maioria dos países da OCDE. Um estudante do ensino superior público custa em média, a cada contribuinte, cerca de € 5.000,00 ano, enquanto o mesmo estudante no ensino superior privado fica por metade do valor.
São, pois, muitos os desafios que se colocam ao ensino superior público. Desde logo, procurando melhorar a qualidade do ensino, gerindo com eficiência e eficácia, procurando obter recursos adicionais, uma vez que as Universidades podem conseguir receitas próprias pela prestação de serviços. Por outro lado, e uma vez que o reforço do orçamento para a Ciência foi de 250 milhões de euros, dos quais 170 milhões destinados às Universidades, poderão captar mais recursos desde que apresentem projectos concretos através dos seus Centros de Investigação. O discurso dos Reitores não aponta, no entanto, nesse sentido e, pelo contrário, enfatizam a necessidade de "terem mais dinheiro", como se houvesse uma qualquer varinha de Harry Potter capaz de transformar os desejos em realidade. Combater o desperdício, eliminar as ineficiências, coordenar esforços inter escolas, concretizar parcerias, desenvolver projectos com empresas, são palavras ainda pouco comuns na linguagem dos académicos mas que a necessidade, ditada pela escassez dos recursos, vai obrigar a trazer para o seu quotidiano.
A Universidade é "uma borboleta que tem de sair do casulo e tem de aprender a voar" para usar as palavras do Professor Luis Moniz Pereira, um dos participante no Painel, que defendeu as mudanças propostas pelo Governo. Acrescentou, ainda, que os reitores deviam ser mais pró-activos em ordem a pugnar pela melhoria crescente da qualidade do ensino da respectiva escola, assegurando uma gestão mais eficiente dos recursos.
Vivemos uma época de grandes mudanças e, a todos os níveis, é preciso fazer mais e melhor, com menos dinheiro. São estas situações que exigem líderes transformacionais que desenvolvam e projectem uma visão do futuro e encorajem os outros a contribuirem nessa direcção. Ontem, os magníficos reitores com o seu discurso não assumiram essa postura, limitando-se a exprimir a vontade de continuar a "gerir com normalidade", solicitando mais verbas do OGE ( dinheiro de todos nós) para manter a situação existente. O Ministro da Ciência e do Ensino Superior que explicou, de modo detalhado as razões que presidiram ao respectivos cortes, afirmou-se convicto que as Universidades saberiam agir em conformidade com estes constrangimentos, impostos pela situação vivenciada pelo país, procurando optimizar a gestão dos recursos. Diz o ditado: a necessidade aguça o engenho...ou, dizemos nós, a vida custa a todos.

4 comentários:

  1. Maria P. disse...

    Grata pela visita à Casa de Maio, deixo a porta aberta...

    Parabéns, interessantes reflexões observei por aqui!

  2. Carlos Martins disse...

    O problema das universidades é facto muito importante. Mas sublinhe-se a falta de justiça no corte transversal e cego feito por Mariano Gago - e não tenho problemas em dize-lo - por pura falta de coragem política. Gago sempre priviligiou o mérito, mas não teve coragem de cortar mais nas universidades que realmente manifestam falta de qualidade. Com isto, as boas universidades vivem dificuldades (e vão cortar onde não devem) e as más vão sobrevivendo. Logo Gago que sempre pareceu tão imune a estas sensibilidades políticas...

  3. Terra e Sal disse...

    Meu Caro José Manuel Dias:

    Interessante o seu post. aliás, todos eles são sempre interessantes e importantes.
    Assisti ao debate do “Prós e Contras”
    Gostei da prestação do Mariano Gago e do Moniz Pereira, cada um com o seu estilo...
    O primeiro, talvez por formação e função, mais distinto nas palavras proferidas...
    O segundo, pelo tipo de linguagem que usou, penso ter vulgarmente contactos e estar mais que agastado com os senhores “magníficos”.
    Isto, claro deduzi eu.

    Depois, lamento que, tirando o Dr. Adriano Moreira ainda muito lúcido e com uma boa cabeça, diga-se, aliado à sua eloquência, embora não me convencesse, nenhum dos reitores fosse capaz de uma forma transparente defender as suas “teorias”.
    Tirou uma nota positiva embora muito baixa, o reitor da Universidade de Coimbra sobre a justificação que deu de não ter aberto a Universidade este ano ao ”Acordo” ou “Tratado” de Bolonha.
    Foi ripostado pelo ministro de que se lhe deu conhecimento atempado através da lei mas ficou-me a dúvida já que, embora todos tenhamos o dever de conhecer a lei, (oficialmente) mas valha-nos que neste caso devia ter tido o homem conhecimento dela por contacto directo, admito.
    Efectivamente não é em meia dúzia de dias, penso, que se delineiam candidaturas e regras.

    Embora não goste de muita coisa que este governo na ânsia de nos “salvar” anda a fazer reconheço ter feito algumas boas e acertadas e além de tudo ter nas principais “pastas” ministeriais gente capaz, parece-me.
    Tenho uma grande admiração pelo Mariano Gago, penso ser uma das figuras mais ilustres do nosso país e que, é um homem de grande valor intelectual.

    Gostei particularmente no final do programa do seu discurso.
    E da sua intervenção durante o programa, notou-se a olho nú que os nossos “magníficos” e “catedráticos” andam a nadar em muitas coisas e em dinheiro também.
    Preocupam-se pouco, muito pouco mesmo, com a “rentabilização”do que têm...
    Vamos lá ver onde tudo isto vai parar e o país também...
    Só espero que com tanta disciplina ainda não tenhamos um dia destes de andar por aí, de botas cardadas.
    Cumprimentos e parabéns pelo tema.

  4. Carlos Martins disse...

    Numa coisa concordo plenamente com o meu caro amigo Terra&Sal (sim, também sou capaz de concordar consigo...): "notou-se a olho nú que os nossos “magníficos” e “catedráticos” andam a nadar em muitas coisas e em dinheiro também."

    Uma palavra para o Professor Adriano Moreira. Uma das individualidades intelectuais mais destacada em Portugal desde há muito tempo. Talvez devessemos passar mais tempo a ouvi-lo. Eu pelo menos sempre que tenho oportunidade fico pasmado a ouvir durante o tempo que o Professor Adriano Moreira entender usar.