Ser engenheiro, doutor, arquitecto é muito mais importante do que ser competente, eficaz, íntegro e digno. A Imprensa portuguesa devolve a imagem do sítio onde existe: está pejada de doutores, engenheiros e arquitectos, quase todos péssimos jornalistas. E quase todos ascendentes a cargos de directoria, por atalhos amiúde sombrios. Escrevem desamparados de gramática e pouco favoráveis a reflectir sobre os acasos que apadrinham as razões.
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Se desconfiamos de Sócrates temos todo o direito de desconfiar daqueles que de ele desconfiam, de modo tão obsidiante. A arfante diligência com que jornais e televisões (não todos, não todas) desancam o homem – dá que pensar. E a vida ensinou-nos que nada acontece por banal prolongamento do acaso.
Ao que julgo saber, a história foi anunciada, há quase dois anos, na blogosfera. Porquê só agora este insistente apego a uma revelação que, afinal, o não é? As consequências possíveis das afirmações implicam os termos de uma responsabilidade que a entrevista de José Sócrates à RTP abordou, com demonstrada capacidade do entrevistado.
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A entrevista na RTP, dirigida, com áspera combatividade, por Maria Flor Pedroso e José Alberto Carvalho, procurou captar a totalidade dos problemas propostos. Sócrates esclareceu, documentado e argumentativo, as aparentes sombras projectadas no seu currículo académico. A pressão foi tremenda. Raramente assisti, em televisão, a um programa rodeado por tanto constrangimento. Pouca gente aguentaria a forma não fragmentada, não alusiva, mesmo não iludente com que as perguntas foram colocadas. Uma única vez José Sócrates se emocionou. A frieza de frigorífico do seu comportamento deslizou, por trémulos instantes, quando falou no tempo de estudante pós-laboral. "O homem, afinal, é humano", comentou um velho amigo, experimentado routier do jornalismo.
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O exame das diferentes modalidades da entrevista demonstrou a extrema habilidade de Sócrates no confronto televisivo, com leve sabor a julgamento público. Porém, caucionou a coragem de um homem que esclareceu aspectos na aparência dúbios, e protestou contra as equivalências da infâmia a ele dirigidas, sob a forma de "necessidade de informar". Não foi José Sócrates quem saiu derrotado ou enxovalhado do diálogo. Até no caso da Ota, cuja escolha sou dos que criticam. E Maria Flor Pedroso e José Alberto Carvalho bem o cercaram, nunca lhe deram tréguas nem descanso. Não houve impersonalidade. Não houve subserviência. Não houve "distanciação". Demonstrou-se, isso sim, a caracterização do papel desempenhado pelos três protagonistas. Esperava-se uma sangueira. Não foi.
Deplorável a declaração de Marques Mendes, cada vez mais desorientado e confuso. Lamentável a irritação de Pacheco Pereira, cada vez mais vítima de incontrolável egolatria.
Baptista Bastos, Jornal de Negócios de 13 de Abril